domingo, 19 de fevereiro de 2012

Walden ou A vida nos bosques

«Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir à hora da morte, que não tinha vivido.»


Embora o subtítulo soe romântico, Walden não é um romance, antes um livro de sermões, um manual para transcender as inutilidades do mundo e alcançar a autossuficiência absoluta, de forma a transpor os limites do próprio eu. Henry David Thoreau foi um desbravador de mentes e deixou marcado nas páginas de Walden seu legado, o que se pode definir como um verdadeiro testamento ético-espiritual.

Numa época em que o cotidiano foi tomado por uma complexidade urbana movida pelo intenso industrialismo, Thoreau demonstrou sua insatisfação profunda com a tal medida extrema: largou a vida na sociedade em 1845 e foi viver sozinho na floresta, o lugar escolhido foi ao lado do lago Walden, ali construiu sua cabana, plantou sua pequena horta. Viveu por dois anos, dois meses e dois dias apenas do que julgava essencial, o que resultou numa vida simples, sem exageros e sem desperdícios, se dedicando profundamente ao estudo, a contemplação e ao autoconhecimento. Em seu isolamento experimentou de uma liberdade única e descobriu, em contato com a natureza e os livros, uma nova visão de tudo e do todo, compreendendo inclusive a natureza mística do homem.

Seu estilo não prima pelo requinte literário, antes foi escrito espontaneamente, de uma retórica incalculada, o livro é extenso e por vezes prolixo, mas a impressão ao lê-lo é de se estar a uma longa e proveitosa conversa com o autor dentro da sua cabana remota, onde ele narra sua experiência, e através dela propõe-nos uma visão crítica do mundo. Aqui e ali citações vindas da bagagem de Thoreau: gregos e latinos, santos e poetas, chineses e persas.

Segundo o próprio, o que o moveu a atravessar as estreitas ruas de Concord e seguir rumo ao oeste a caminho de Walden, foi pensar que comemos muito porque trabalhamos muito, é uma questão de relatividade, se trabalhássemos menos comeríamos menos, logo, necessitaríamos de menos pra viver... e viveríamos bem, pois sobraria mais tempo para as coisas que gostamos.

Nota-se que Thoreau não fazia o que fez pra aparecer, chocar, todos os que eram próximos o reconheciam como um gentil e solitário buscador da própria identidade. Desprezado, incompreendido, ofendido e até condenado (vide Desobediência Civil) tomou de acompanhante apenas a solidão, foi o exemplo vivo da doutrina de indiferença ao mundo moderno. Vivia no mundo, porém, sem compactuar ou mesmo se afetar com o mal do mundo.

Rústico, porém não rude, um nobre selvagem. Robert Louis Stevenson concluiu que: “Thoreau se apresentava tão distante da humanidade que é difícil saber se devemos chama-lo de semideus ou de semi-homem”.

«Acho saudável ficar sozinho a maior parte do tempo. Ter companhia, mesmo a melhor delas, logo cansa e desgasta. Gosto de ficar só. Nunca encontrei melhor companhia do que a que a solidão me proporciona. Em geral estamos mais solitários quando saímos e convivemos com os homens do que quando ficamos em nossos aposentos.»

Walden celebra a vida natural, a boa convivência, os antigos costumes, a busca por si mesmo, os hábitos agradáveis. É um livro único, inimitável, tal qual a experiência de sua leitura.